terça-feira, 8 de maio de 2012

Projeto torna crime exigir cheque-caução

A Câmara dos Deputados aprovou, ontem (2 de abril 2012), por unanimidade, o Projeto de Lei que torna crime a exigência de cheque-caução, nota promissória ou mesmo o preenchimento de formulários administrativos como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. A proposta segue agora para votação no Senado.
A  pergunta que não quer calar é: por que começou-se a usar este recurso de exigir cheque-caução? Será que foi porque as pessoas não confiando no atendimento dos hospitais públicos sempre superlotados começaram a ir para hospitais particulares, mesmo sem ter condições de pagar pelo atendimento ou será que foram os médicos que por serem todos uns mercenários passaram a exigir tal cheque?
A opinião pública parece não ter nenhuma dúvida de que a resposta é que “os médicos são todos uns mercenários”, “só estão interessados em ganhar dinheiro”.
Talvez você já tenha lido uma outra postagem onde eu falo sobre os VENDEDORES DE SERVIÇOS MÉDICOS. Esses, que acham que os médicos são todos uns mercenários, se a lessem, imediatamente entenderiam que eu estou a dar-lhes razão. Mas estariam completamente enganados se entendessem desse modo.
Eu chamo de VSM um profissional que, por exemplo, aprende um procedimento médico e passa a querer resolver tudo com ele. O residente chega para o plantonista e fala: “tem uma gestante com contrações na enfermaria, mas ainda não está a termo.” “Coloca na mesa, cesariana.” “Mas não é melhor a gente tentar inibir as contrações, ainda é um feto prematuro?” “ Então tá”.
“Doutor, tem um feto morto na enfermaria de alto risco.” “Coloca na mesa pra fazer cesariana.” (para os que não sacam obstetrícia: não se opera feto morto)
Um cirurgião geral, plantonista de obstetrícia, termina uma cesariana de uma  gestante que já apresentava o sinal de ruptura uterina iminente e diz: “belo trabalho”. Seria um belo trabalho se a gestante tivesse chegado à maternidade com aquela condição clínica, mas tendo ela sido internada em começo de trabalho de parto e o plantão ter deixado alcançar aquele estágio para intervir, significa uma péssima assistência obstétrica. Porém, o VSM só olha para o procedimento. Ele não olha para as condições de nascimento daquela criança e das prováveis deficiências neuropsíquicas que aquela criança terá em seu desenvolvimento infantil, escolar,… ele não olha para a mãe que pode ficar com sequelas uterinas, provavelmente tendo riscos em futuras gestações. Para ele, o importante é o procedimento magnífico que ele fez.
Ele parece não ter consciência de que aquele procedimento cirúrgico foi feito para levar benefícios à gestante e ao feto. Ele parece não ter conhecimento da importância de se acompanhar um pré-parto para auscultar um feto e diagnosticar cedo um sofrimento fetal e assim poder salvar-lhe a vida. Para ele o mais importante é o procedimento cirúrgico que ele aprendeu e não os motivos pelos quais ele aprendeu aquele procedimento cirúrgico.
Então ele vai examinar uma gestante que o residente tinha examinado e já havia diagnosticado dilatação total e escreve: dilatação de 9 cm.  (o exame do residente estava correto)
Com esses exemplos fictícios, inspirados em fatos reais, em tento explicar a você o que eu quis dizer com VSM.
O povo não se queixa de pagar por uma televisão, por um carro, por um objeto de seu desejo, mas pagar por um atendimento médico, pagar a um professor para ensinar seu filho,…
Ninguém chega para um médico ou para um professor e diz: “ o senhor não precisa pagar suas contas de luz, aluguel, …”
Só que para pagar tais contas, tanto o médico como o professor precisam receber um bom rendimento.
Essa semana li no Jornal Extra que um médico ginecologista e sanitarista ganhava, depois de mais de quinze anos de trabalho algo, em torno de R$ 1800,00. E esse total não era o salário e sim o salário mais as gratificações.
Os hospitais particulares têm despesas e essas despesas são pagas com o que recebem dos atendimentos que fazem.
As pessoas parecem querer exigir que o médico seja um franciscano, só que ninguém deixa de cobrar um serviço que presta  a um médico, pelo contrário, alguns cobram até mais caro por achar que como é médico ganha bem.
Para se tornar e se manter um bom profissional de medicina é necessário ganhar bem para poder continuar estudando e se aprimorando sempre, mas as pessoas parecem não querer entender isso e esses nossos colegas VSM acabam, sem o perceber, por dar força a corrente de entendimento dessas pessoas.
Me lembro de um tarde em que eu saía do plantão de uma colega residente após ter dado o meu plantão de 24 horas, ter feito a enfermaria que todos nós éramos obrigados a fazer na parte da manhã  e ainda ter ficado para auxiliá-la na cesariana com intuito de me aperfeiçoar,  de aprender.  Estou saindo às duas horas da tarde (24h {7h às 7h} + 7h {7h às 14h} = 31h direto) e ouço uma mulher gritando para as outras ouvirem. “Olha só, a essa hora ele já tá indo embora. Não quer nada...”