sábado, 21 de abril de 2012

Olhando para o modo de torcer de um povo,

nós podemos perceber o porquê das coisas estarem dando errado.
Esse post não é sobre futebol. É sobre gerenciamento.
Lendo este post, você não ficará se culpando quando intercorrências médicas acontecerem em seu plantão e ainda poderá se defender, caso algum covarde o culpe.
O atacante faz o gol da vitória e a torcida o endeusa. Decidiu o jogo, deu o título ao …(seu time do coração).
Olhando para um jogo recente do fluminense na libertadores. O Carlinhos recebe um passe do Rafael Sobis e marca um golaço.
Golaço por que? Porque ele bateu com o lado interno do pé, dando um curva na bola que dificultava a defesa do goleiro e teve a calma de um grande atacante para escolher o canto certo e fazer o que fez. Foi um gol difícil de fazer.
O torcedor desatento, grita: grande Carlinhos, é o melhor. Mas não percebe que o lance mais difícil e diria até que mais genial, foi o passe do Rafael Sobis. O zagueiro estava a sua frente e ele teve a visão, a calma e o talento para dar um toque na bola por entre as pernas do zagueiro e com a velocidade necessária para alcançar o ponto onde o Carlinhos poderia recebê-la para ter chance de fazer o gol, isto é, nem forte demais, nem fraco demais. E não foi um toque fácil, pois foi um toque com o lado do pé. Só vendo o lance para entender.
E o que que um lance de futebol tem a ver com o funcionamento da saúde e da sociedade brasileira?
Nós estamos acostumados a valorizar só aquele que fez o gol e ignoramos aquele que passou a bola para o outro fazer o gol.
O fluminense só conseguiu vencer o jogo, porque o Lanzini, no último segundo, fez um cruzamento magistral e porque o He-man, com todo o mérito, deu um peixinho sensacional e soube cabecear a bola escolhendo o canto certo. Difícil dar aquela cabeçada da forma como ele o fez, como também é difícil fazer aquele cruzamento da forma como o Lanzini o fez.
Você fica enchendo o saco da gente com o fluminense, eu nem torço pro fluminense, já está enchendo o meu saco. Tá bem, calma.
Quando eu fui acadêmico em obstetrícia, os plantonistas (atacantes) ficavam sentados na sala dos médicos esperando que nós os chamássemos (passássemos a bola). Aí iam lá e “resolviam” (perceba que está entre aspas).
Quando o plantonista fica lá esperando, sem supervisionar o atendimento, ele fica a mercê da sorte.
Veja bem, se você supervisionar o acadêmico do seu plantão, você perceberá uma DCP mais cedo, não correndo o risco que ela evolua até um estágio mais terminal com risco de rotura uterina e até de morte materna e fetal.
Esse proceder não vale só para obstetrícia, é válido para plantão de qualquer especialidade.
Se você supervisionar o atendimento, você perceberá antecipadamente os erros, verá os casos em que é importante que você examine para confirmar o diagnóstico.
Olha só, chega uma GI, PO (primeira gravidez da mulher) em trabalho de parto. Se você supervisiona o atendimento, você irá querer confirmar o diagnóstico da apresentação. Para quem não saca de obstetrícia: você irá querer ter certeza de que é uma apresentação cefálica, pois se for pélvica é indicação de cesariana.
E por que isto é importante? Porque há o risco da cabeça ficar presa, já que não há como ter certeza absoluta de que não há uma desproporção cefalo-pélvica. E acontecendo isto você teria que decapitar o feto.
Você não vai querer correr tal risco em seu plantão, logo GI P0 é um caso que você, médico responsável, que supervisiona os atendimentos, sempre irá querer confirmar o diagnóstico da apresentação.
Uma conduta errada que eu vi acontecer, foi os colegas médicos plantonistas reclamarem do acadêmico por ele ou ela ter errado o diagnóstico da apresentação.
Eu nunca vi nenhum deles se dirigirem aos plantonistas responsáveis pelo plantão e reclamarem por eles não estarem supervisionando os atendimentos e confirmando os diagnósticos quando necessário.
Eles ficavam lá, parados, esperando a bola e aí quando chamados faziam o gol, istó é, a cesariana. E ponto. Se achavam os tais.
Mas às vezes acontecia de ter dois partos ao mesmo tempo, então como eu era um só, lá vinha o plantonista para fazer um dos partos.
Numa dessas vezes, depois de terminar o meu, olhei para o parto que o cirurgião geral, plantonista de obstetrícia, estava fazendo e perguntei: Dr fulano, quer que eu faça o kristeller? Ele disse que não e momentos depois pediu o forceps de alívio.
O que eu posso dizer para você é que em situações semelhantes, com a cabeça do feto apresentando a mesma distância da saída, eu esperava vir a contração para haver o endurecimento da parede abdominal, então colocava o meu antebraço esquerdo no fundo do útero e fazia a alavanca. Sempre nasceu. (esta adaptação da manobra  do kristeller está no post faz um kristeller aí, na categoria obstetrícia).
Uma vez, a pediatra veio me dizer que o atacante tinha fraturado a clavícula do recém-nascido ao usar o forceps.
Hoje nós temos notícias de morte súbita no futebol. E todo mundo fica morrendo de medo.
Mas é esta conduta médica de ficar esperando que os acadêmicos lhe passem a bola sentado na sala dos médicos que leva a este pânico.
E porque eu digo isto? Porque estes “atacantes” médicos não examinam adequadamente seus pacientes, não comparam os casos para descobrir os fatores predisponentes.
Um médico responsável comparará os diferentes casos de morte súbita procurando por: doenças semelhantes, hábitos de vida semelhantes (comer, beber, uso de drogas, medicamentos,…), etc, e assim acabará descobrindo fatores predisponentes que levaram aquele final.
E por que isto é importante? Porque assim a gente pode identificar o risco dos indivíduos e prevenir que tal fim ocorra, evitando os fatores de risco, diagnosticando previamente e tratando distúrbios que podem levar a tal fim.
Mas estes “médicos” que ficam apenas esperando nunca serão capazes de descobrir estes fatores se não mudarem suas condutas médicas. De modo que apenas serão chamados para diagnosticar a morte. Pois eles apenas ficam esperando a bola.
O triste disto tudo é que isto acontece em todos os setores da sociedade. E só você começar a observar como as coisas funcionam para ver se eu não tenho razão.
E sem esse entendimento e mudança de conduta não haverá desenvolvimento do país e mortes “acidentais” continuarão acontecendo.
Um conselho que eu dei para a minha prima e que agora vou dizer para você que está começando é: se você é estudioso(a) e não fica brincando ao atender o paciente, nos primeiros cinco anos de medicina nunca aponte o dedo para você, mesmo que covardes lhe acusem. 
Se você fez a sua parte, muito provavelmente, com a experiência, você chegará a conclusão que a culpa de ter acontecido a intercorrência não foi sua.
NOTA: muitos brasileiros confundem supervisão com fiscalização.
SUPERVISÃO FISCALIZAÇÃO