Não tem nada a ver me disse uma colega com quem estudava. E eu fiquei me perguntando: como não tem nada a ver?
Umas três semanas depois, saindo da prova de residência, perguntei a ela: e aí, fez como a gente estudou? Recebi um não que gestualmente dizia ser errado fazer daquele jeito. Depois entendi o porquê, quando ela disse para uma amiga: “o zé acerta tudo chutando.”
O que para mim exigia o máximo de esforço, estudo, para ela não passava de chute. E ela tinha estudado comigo, como era possível?
Se fosse possível para mim voltar ao passado, tomar o lugar daquele eu e estudar com ela para a prova de residência, não seria possível para mim fazer o mesmo, pois já se passaram mais de vinte anos e grande parte do conhecimento, que estava fresquinho na cabeça de um recém-formado, foi esquecido. Mas para ela, todo o raciocínio e estudo não passavam de chute.
É interessante como as pessoas associam o modo diferente de fazer ao errado.
Na faculdade, um amigo de outra turma, mas do mesmo ano, sugeriu que depois que fizéssemos as provas copiássemos as questões de cabeça e assim teríamos ideia da forma como era a prova. Para você entender melhor: enquanto a turma dele fazia uma cadeira a minha fazia outra. E no mês ou bimestre seguinte, a minha turma fazia a cadeira que a dele fez e vice-versa.
Então eu pegava essas questões e dava para todo o meu grupo. Um colega de grupo, quando fui entregar-lhe, recusou-se terminantemente a receber como se eu estivesse dando a ele as respostas da prova que iríamos fazer. Eu fiquei intrigado com a reação.
Um ano depois este mesmo colega, poço da honestidade, estava colando abertamente em uma prova. Eu levantei a cabeça para pensar na questão da prova e fiquei estupefato: como é que podia, aquele que se recusou a ter uma ideia de como era a prova estava ali a minha frente colando. Não entendi mais nada.
RACIOCÍNIO EPIDEMIOLÓGICO EMBRIONÁRIO.
Nos primeiros anos de faculdade aprendi que o cigarro provocava uma alteração no epítelio ciliado que acabava por se estratificar… assim, quando apendi a informação que o cancer de colo de útero era mais frequente no nordeste eu raciocínei: no nordeste as mulheres tem mais filhos (frequência sexual), menos acesso a água, o nível educacional é menor, então menos acesso ao entendimento da informação, homens fazem sexo sem se protegerem adequadamente e transmitem infecções às mulheres. Então essas agressões devem acabar agindo como a fumaça do cigarro para epitélio do aparelho pulmonar. E o epitélio interno do colo é semelhante.
Assim eu associei o cancer a uma agressão crônica e continuada (frequente). E eu tinha estudado algo em patologia, que hoje não me lembro mais, com relação ao surgimento de uma célula na resposta de defesa. Hoje não me lembro mais e fica difícil falar, pois posso acabar falando besteira.
Um racicínio semelhante eu usei para o cancer de mama. Eu associei o período pós-menopausa com ganho de peso da mulher e este ganho de peso com aumento de um tipo de estrogênio (se não me engano estrona) com o cancer de mama. Não tem nada a ver, me disse a colega.
Peço a você que não dê atenção ao hormonio estrona, se está correto ou não, mas sim ao raciocínio. Pois na época, estava tudo fresquinho e hoje eu já não me lembro exatamente das palavras nem do nome do ciclo que produzia o hormonio.
O que eu estava fazendo, sem saber, era um raciocínio epidemiológico. Na época eu tinha estudado os fatores predisponentes para o infarto: vida sedentária, obesidade, fumo,… e era esse o raciocínio que inconscientemente eu estava tentando fazer.
Mas para a colega: “Não tem nada a ver!”
E por que estou falando isso pra você?
Porque pode acontecer com você algo semelhante ao que aconteceu com a minha prima.
Ela foi fazer um curso extra-faculdade e lá o professor falou que os alunos deveriam discutir as questões da prova antes de ver o gabarito.
Então eu falei pra ela. Não faça isso, pois nem todos que leem a questão acertarão a resposta. E aí os que erraram a questão estarão falando coisas erradas, de modo que pode acabar acontecendo de você acertar a questão na hora do estudo e errar na prova.
Em vez disso, faça o seguinte: cada um faz a questão, depois vê o gabarito. Então só os que acertaram dizem como acertaram.
Quando falei isto pra ela, ela me disse: “eu estou estudando assim, eu leio a questão, vejo o gabarito, pesquiso na teoria.”
É assim mesmo, não tente fazer a prova toda para depois ver o gabarito. Faça cada questão, veja o gabarito e se errar ou tiver alguma dúvida vá na teoria e sane logo aquela dúvida. Assim você sedimenta o conhecimento.
Ela estava fazendo o certo, mas chegou alguém mais experiente que para ela era uma sumidade e mandou fazer diferente. Então, se ela não tivesse falado comigo, passaria a achar que o seu modo de fazer estava errado e iria começar a seguir a orientação dada.
Só que como ela estava aprendendo, as informações ainda eram novas, ainda não estavam sedimentadas. Assim, se ela debatesse ouviria coisas certas e erradas e haveria o risco de confundir o cérebro e fixar o errado como certo.
No tipo de estudo sugerido, acontece de quem errar a questão no estudo acertá-la na prova e o que acertou errar, porque se confundiu com as informações.
Assim, se só os que acertaram falarem, você acaba sedimentando o conhecimento sem confundir o cérebro. Todo o conhecimento ouvido está correto e o cérebro passa a trabalhar para aprendê-lo. E o que acertou não se confunde e acaba reforçando o seu aprendizado.
Exemplificando melhor o racíocínio: imagine que a resposta certa é essa ordem das cores: verde, amarelo, azul, vermelho e laranja.
Agora imagine várias pessoas dando respostas diferentes: marrom, preto, verde, laranja,…
Deu pra perceber a confusão que vai ser.
Agora se a resposta fosse as cores da bandeira do Brasil. Qualquer um poderia falar o que quisesse para você que você não se confundiria nem erraria, isto porque a informação já está sedimentada em seu cérebro.
Espero que você tenha entendido. Como você está iniciando o seu aprendizado de medicina, isto é, seu cérebro ainda está sedimentando as informações, se você der a ele só as informações certas fica mais fácil para ele aprender sem se confundir.
Só alguns anos depois, eu iria entender, ao estudar para a prova de mestrado em epidemiologia, que o que eu estava fazendo sem o perceber e que me ajudava a decorar as informações era utilizar o raciocínio epidemiológico.
Perceba que existe muita diferença entre um método para decorar, lendo abaixo:
Se você quer decorar os sintomas de uma doença, um método prático é fazer o seguinte:
Faça um desenho mental ou no papel do seguinte modo: desenhe uma coca-cola no local do pênis, desenhe dois olhos enormes e pinte a parte branca de amarelo, desenhe um fígado grande saindo do corpo,…
Se você coloca coisas absurdas o cérebro guarda. Se eu soubesse desse método quando cursei a faculdade ele teria me ajudado demais.
Vou dar um outro exemplo com objetos: relógio, carro, televisão, rio.
Imagine que você tenha de decorar estes objetos. Então você faz o seguinte: pensa no relógio da central do Brasil e o coloca em cima de um carro (absurdo não). O carro você coloca em cima da televisão (outro absurdo) e da televisão você faz sair um rio (outro absurdo).
O cérebro decora e se perguntarem a ordem dos objetos pra você uma semana depois, você lembrará da imagem mental que você fez e acertará a resposta.
Um outro macete para número de telefone. Não decore um por um: 2, 3, 4, 5 – 3,3,4,1
Ao invés disso, decore: 23, 45 – 33, 41
Fica mais fácil.
Perceba por esses métodos de ajudar a decorar que eu não estava utilizando um método de decoreba, embora me ajudasse a decorar. Eu estava raciocinando.
CONFIE NA SUA INTUIÇÃO, ANTES DE MUDAR O SEU AGIR.
Talvez não tenha ficado claro, mas o meu raciocínio associava o atrito mecânico que ocorria no coito, realizado com um pênis sem a higiene adequada, como um fator na gênese do câncer do colo. As impurezas que ficavam na superfície de um pênis não devidamente lavado, provocariam esse atrito mecânico. E como o coito é realizado com frequência ao longo da vida – cronicidade. Eu achei importante acrescentar esse parágrafo, pois pode ter ficado a ideia – errada - de que era as doenças venéreas o único agente de agressão.
A ideia de reforçar o aprendizado, fazendo com que os que acertam a questão digam como acertaram, eu utilizava quando fazia o meu caderno. Mesmo quando um assunto era repetido por outro professor em outra aula, mesmo que eu já tivesse estudado o assunto e achasse que já o sabia, mesmo assim, eu copiava de novo conforme o novo professor falava. É a ideia do reforço (da sedimentação do conhecimento) escrevendo-o e o lendo de novo em outra aula, quando estudava. Eu achava que essa forma de fazer me ajudava a sedimentar (fixar) o conhecimento.