terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Nunca tenha vergonha de dizer: “eu não sei.”

Tenha certeza de que ao dizer “eu não sei”, você se livrará de muitos erros médicos.

Eu me lembro do meu primeiro ano de faculdade, carequinha, carequinha, por causa do trote.
Constantemente era parado, na rua, por alguém que pedia para que eu examinasse uma lesão. Como se eu tivesse a obrigação de saber resolver o seu problema de saúde.
E o pior é que essa pressão que a ignorância social faz sobre a gente acaba por nos levar a acreditar que temos a obrigação de saber tudo, de resolver todos os problemas de saúde que existem.
Você não é médico, por que você não quer me atender?”
E a falta de orientação faz com que comecemos a nos sentir mal, culpados por não saber.
Impotentes diante de toda a biblioteca médica.
Ninguém para nos dizer que a gente não precisa saber aquilo tudo.
Olha só o cardiologista.
Veja quantas possibilidades de atuação profissional.
Dentro da própria especialidade há diferentes campos de atuação: cirurgia, clínica, diferentes tipos de exames,...
Em uma única especialidade médica, um único profissional é incapaz de fazer tudo com a mesma competência.
Precisa escolher, dentro da própria cardiologia, aquilo que mais tem a ver ou que está disponível (tem acesso) para fazer.
Mas ninguém aparece para te dizer isso.
Só críticas: “você não é médico, como é que não sabe?”
Lembro-me do meu segundo ano de faculdade, na cadeira de patologia, quando ao receber a prova notei que 50% das questões abordavam um tema que não tinha entrado na lista apresentada para estudo e que ainda sequer havia sido ensinado em aula.
Falei, então, para a professora. Professora?
Como resposta recebi a seguinte grossura: “então é isso que você vai dizer para o paciente, quando ele chegar para você com uma doença?”
E, pasmem, aplicou a prova.
No final do ano, após essa “professora” me dar nota seis numa prova que pensava ter tirado oito, decidi pedir transferência de faculdade. Foi a gota d'água!
Olhe ao seu redor e veja:
No futebol, o que você diria se um técnico, na final do campeonato, escalasse o goleiro como centroavante e colocasse o artilheiro do time no gol?
Ou se colocasse o meio campo na lateral, os atacantes no meio campo e os laterais no ataque? Que bagunça, não?
Vá para o vôlei e veja que há também diferentes posições: levantador, líbero,...
Olhe para dentro do seu próprio corpo e veja que há o coração, cuja função é bombear o sangue. Há o pulmão que possibilita a troca gasosa. Há o fígado, o baço, o rim,... cada qual com sua função essencial para a vida.
Aquela “professora” não diria para o fígado fazer a função do coração. “Bombeia o sangue aí.”
A função da faculdade é mostrar a você quais especialidades (quais órgãos) existem dentro da medicina (dentro do corpo).
Oferecendo a você a possibilidade de descobrir que órgão você é. Qual a função que você realiza com mais competência?
E a vantagem que a faculdade de medicina oferece a você ao apresentá-lo a todas as especialidades médicas é torná-lo capaz, no final do curso médico, de atingir o RACIOCÍNIO INTERDISCIPLINAR. (Já escrevi um post sobre esse tema. Não deixe de ler.)
Quando ouço falar do excesso de abandono do curso de engenharia, eu não consigo parar de pensar que a principal causa é que a faculdade de engenharia não apresenta aos seus acadêmicos as diferentes especialidades , como o faz a medicina.
Os alunos que decidem fazer engenharia são obrigados a escolher uma especialidade antes de entrar na faculdade, sem sequer ter noção do que existe para fazer dentro da engenharia. E pior, nunca conseguirão alcançar o RACIOCÍNIO INTERDISCIPLINAR, pois só estudam uma única especialidade.
E aí, ao perceberem que não dão para aquela especialidade de engenharia, são obrigados a abandonar a faculdade e tentar novamente outro vestibular. Dá pra aceitar isso?
Essa noite, no jornal da globo, vi italianos jogando laranjas na dupla brasileira que disputava uma partida de vôlei de praia, por causa da não extradição do Cesare Battisti.
Se eu fosse o consultor do presidente, naquela ocasião em que o STF passou a bola para ele, eu teria dito o seguinte: Sr Presidente, passe a bola de volta. Não tente fazer o gol.
Os ministros do STF são as pessoas com maior SABER jurídico. São eles que passaram a vida estudando, que tem experiência e competência para decidir e dar a última palavra sobre as diferentes polêmicas jurídicas do país.
Mas se eu devolver a bola, vão dizer que eu não estudei, que não estou preparado para ser presidente,...”
Tem razão, Sr Presidente. É isso mesmo que irão dizer, mas a sua decisão estará correta, pois esse conselho eu daria para quem quer que fosse o presidente, mesmo alguém que tivesse feito a faculdade de direito.
Mas vão dizer que eu não soube usar os profissionais do executivo que também sabem direito.”
Tem razão Sr Presidente. Vão dizer isso mesmo, mas estarão errados, pois se estes que lhe assessoram no executivo tivessem a competência dos ministros do STF, seriam eles e não os ministros do STF os responsáveis por dar a última palavra nas diferentes questões jurídicas do país.
O Sr tem alguma dúvida que o saber jurídico dos ministros do STF é superior ao dos que o assessoram. Se estes tivessem o saber jurídico daqueles, deveriam estar no STF e não no executivo.
Finalizando: humildade não é andar de cabeça baixa, dizendo sim senhor.
Humildade é você saber os seus limites.