Na semana passada, assisti a entrevista do Ivan Stringhi, responsável pelo projeto tesourinha, no Jô Soares.
O Ivan contou um pouco da sua história de vida e falou que, trabalhando como garçom na juventude, foi convidado a trabalhar em outro restaurante. Para encurtar a história, lá, nesse outro restaurante, a esposa do dono ficava querendo que ele transasse com ela. Mas como ele respeitava o dono do restaurante nunca aceitou o assédio, de modo que a mulher começou a persegui-lo: sujava só para mandar que ele limpasse e outras coisas do tipo para humilhá-lo.
Mas pelo que ele deu a entender, ele sequer notou que ela estava dando em cima dele.
Ela perseguiu-o até demiti-lo às 4 da manhã, quando ele treinava para cabeleireiro, cortando os cabelos das funcionárias após o expediente.
Ficou sentado num banco, esperando que alguém aparecesse para o salvar, quando chegou um homem maduro de posses (gay) que o convidou para morar com ele. Esse homem usou seus conhecimentos para abrir as portas da profissão de cabeleireiro…
Mas o que essa experiência de vida do Ivan tem de importante para você, estudante de medicina?
Infelizmente, no Brasil, existe essa cultura do dá ou desce: não vai transar comigo, então está demitido! Não vai dar pra mim, então rua! (e o Ivan foi expulso da casa do homem de madrugada).
Não quer transar comigo, então eu não te ensino…
Essa cultura foi popularmente veiculada nos antigos filmes de comédia onde a secretária tinha de dar pro patrão para manter seu emprego.
Convenhamos, esse é um dos fatores despercebidos que leva o país a não funcionar. “se não vai dar pra mim, tá despedido(a)!”
Essa cultura atrapalha todo mundo inclusive àqueles que não assediam.
Voltando ao post anterior: o cara me disse que não tinha experiência obstétrica. Então eu passei a acompanhá-lo de perto ajudando-o, ensinando a fazer o parto, vendo quando fazia os exames na admissão, para evitar o que aconteceu no ano anterior comigo.
Como eu gostava de obstetrícia, eu gostava de falar de obstetrícia. Então eu ficava falando de obstetrícia.
Logo, para quem é um assediador, isto é, só ensino se transar comigo, pensa: esse cara é gay, tá querendo alguma coisa comigo.
Aí uma colega o substituiu e eu tive o mesmo comportamento, ajudando-a e conversando de obstetrícia. Os outros que estão assistindo e que estão acostumados com essa má conduta de assediar começam a achar que eu estava assediando aquela colega.
Eles veem em você um reflexo deles mesmos. Não conseguem diferenciar as condutas das pessoas, porque não enxergam.
Eu não estou aqui falando que você não possa vir a se apaixonar por alguém que trabalhe com você até porque eu acabei tendo uma quedinha pela acadêmica que substituiu o anterior e que veio a se tornar minha amiga, mas em nenhum momento eu a assediei.
Vir a gostar de alguém e assediar são coisas bem diferentes.
No ano anterior, quando eu entrei no plantão, um acadêmico que também entrou no plantão na mesma época, mas que já era bem mais experiente, assediou uma estagiária. A pobrezinha veio perguntar pra mim se eu podia ensinar à ela. Eu não sabia nem pra mim e também não tinha confiança para ensinar ninguém, de modo que falei pra ela: eu não sei pra te ensinar, quem sabe mais é fulano. (Quero deixar claro que em nenhum momento eu disse que ela não poderia me acompanhar para aprender o pouco que eu sabia.)
A coitadinha acabou saindo do plantão provavelmente para não se prostituir. Foi a melhor escolha que ela deve ter feito nesta vida. Mas isto não está certo! Embora as pessoas continuem vendo isso como normal, como se não atrapalhasse e até destruísse a vida de algumas pessoas.
Aqui, acho importante uma pausa para algumas explicações: eu não vi nada além do que um abraço amigo do acadêmico na acadêmica. Mas pelos papos interessados dele nas bundas das médicas do plantão e outras coisitas mais, pude deduzir que aquele abraço tinha segunda intenções.
Quando a gente fala em assédio, as pessoas parecem pensar que quem assedia é um estuprador que vai agarrar você a força e te violentar. Mas isto não é verdade.
Vamos supor que você estivesse na mesma situação da colega e quisesse continuar no plantão.
Eu recomendaria que na hora que ele lhe abraçasse, você por exemplo deixasse cair algo que segurasse (uma caneta, o prontuário) se agachasse para pegar e depois, ao levantar, ficasse a uma distância de meio metro dele. E continuasse como se nada tivesse acontecido.
Se ele fizesse nova tentativa de abraçá-la, você faria a mesma manobra, de modo a deixar claro que você não quer ser abraçada.
Se depois disso, ainda houvesse uma terceira tentativa, falasse claramente: por favor, você é uma pessoa muito gentil, quero ser sua amiga, mas não me sinto bem em ficar sendo abraçada.
Se depois disso ele ainda continuasse assediando, bastaria que ela tivesse conversado com uma das pediatras, a mais antiga, e dissesse: fulana, eu não estou me sentindo bem. Fulano é um cara muito legal, acho que está apaixonado por mim, pois fica querendo me abraçar. Eu não estou me sentindo bem com isso. Acho que vou ter de sair do plantão.
Com certeza, a pediatra que era muito legal teria chegado pra ele e falado com ele algo assim. Olha, fulana tem namorado, não pega bem você ficar abraçando ela no plantão. Ou fulana é muito tímida, não pega bem…
E ela não precisaria ter abandonado o plantão.
Eu espero que você tenha percebido a diferença de abordagem. Ao reagir ao abraço, bem direta. Ao falar com a pediatra (também mulher) bem sutil. Não precisaria dizer eu fui assediada por fulano. Veja bem que aqui nós não estamos falando de alguém que fica a espreita de um momento em que você se encontre sozinha para agarrá-la e beijá-la contra a sua vontade. Essa situação é pouco provável que aconteça.
O problema é que você, mulher, confunde o assédio com o estupro e fica aterrorizada com a situação sem saber o que fazer e acaba fugindo e se prejudicando.
O cara não é um estuprador, geralmente é apenas alguém que achou você atraente. Logo, você não precisa ficar aterrorizada.
Outra coisa que você tem de ter em mente sempre é que você está falando com um homem então você tem de ser clara e direta.
Você não pode se abaixar para fugir do abraço e por ficar com medo de ofender, de perder a amizade, dar um sorrisinho.
Se você der o sorrisinho, ele não vai entender que você não queria ser abraçada.
As mulheres em geral, ficam com medo de magoar,… e acabam falando algo assim: por favor, eu gostaria que você parasse de me abraçar, pois eu não me sinto bem. Olha o que as pessoas podem pensar.
Essa última frase que a mulher completa por educação, por gentileza para não criar um ambiente tenso, passa uma mensagem errada para o homem: se estiver em um lugar onde não tenha ninguém vendo, eu posso abraçar, pois ela não vai ficar chateada.
Como você ainda fala a frase dando um sorrisinho para não brigar, você passou uma mensagem completamente diferente daquela que você queria passar.
Lembre-se sempre: ao se comunicar com o homem seja mais direta, sem sorrisinhos, sem frases educadinhas.
Espero que você tenha percebido que em nenhum momento você agrediu o cara que estava com segundas intenções. Sequer alterou seu tom de voz. Você foi apenas direta e contida. Nada mais.
Já com a pediatra que era uma mulher, você foi indireta e ela por ser mulher entenderia perfeitamente o que você queria dizer. E ao não ser direta com ela, você possibilitaria que ela resolvesse o problema na raiz sem criar um mal estar no plantão. Sem prejuízos para você. Veja bem, volto a repetir: o cara em nenhum momento ficou esperando você ficar sozinha para lhe abraçar e beijar contra a sua vontade.
Continuando:
Quando a gente gosta do que faz, a gente gosta de falar, de conversar sobre, de atender,… mas como estamos cercados por pessoas que não gostam do que fazem, o que para nós é prazer, para eles é apenas trabalho. E trabalho usado como sinônimo de sacrifício.
Então o nosso querer fazer é boicotado por aqueles que não gostam do que fazem, pois para eles o trabalhar é um sacrifício. Para eles não há prazer no trabalho.
Essa semana, saiu no Extra, a seguinte resposta a uma carta: o serviço não funciona, porque em dez pessoas existem duas que boicotam o serviço, duas que atuam para o serviço funcionar e seis que são neutros e seguem a onda. Na sua empresa, os dois que boicotam o serviço estão tendo voz dominante, de modo que os seis estão seguindo a onda e aí a produtividade do serviço é negativa. Você provavelmente já sabe quais são os dois que estão boicotando o serviço, só não tem a coragem de tomar uma atitude mais drástica. Está na hora de você chamá-los e fazê-los entender que estão correndo o risco de serem demitidos caso não mudem de atitude.
Os que não gostam do que fazem agem como as citadas duas pessoas que boicotam.
Infelizmente, no Brasil, é assim: no meu primeiro ano de obstetrícia, aconteceu uma ocorrência no plantão. Então, o diretor apareceu para colocar ordem na casa. Aí, transferiu do plantão a obstetra que melhor dava assistência a nós, acadêmicos. Depois apareceu vários sábados para fazer reunião com o corpo médico e com os acadêmicos, dizendo que os médicos tinham que dar assessoramento para os acadêmicos, vê-los examinar, etc. Enquanto ele falava essas recomendações eu dizia para um dos plantonistas que depois viria a se tornar meu amigo: tá vendo o que ele está dizendo, não pode… ele olhava para mim e gargalhava.
O idiota do diretor tirou do plantão a obstetra que melhor nos assessorava e depois ficou que nem palhaço, falando pra surdos.
Finalizando: você não precisa se prostituir para aprender. Geralmente as coisas que lhe boicotam e que parecem importantíssimas para você que está iniciando não o são realmente.
No segundo semestre do meu primeiro ano de obstetrícia, o chefe de plantão chegou pra mim e falou: “Zé, o mais importante em obstetrícia é o acompanhamento do pre-parto, é auscultar o feto para não perdê-lo num sofrimento fetal.” Eu, que como todos os que começam queria aprender logo a operar, achei que ele estava falando aquilo, porque não queria problemas pro plantão, mas o que ele estava dizendo era o que realmente importava e ninguém boicota acompanhamento de pre-parto.
De que adianta você terminar um cesariana de um DCP e dizer bom trabalho, se você deixou a gestante abandonada na sala de pre-parto sem acompanhamento, uma enfermeira que passou por acaso por lá viu a gestante abandonada em ruptura iminente e veio correndo lhe avisar. Aí, você que se acha o craque da cirurgia, opera e diz excelente trabalho.
E o feto que provavelmente terá deficit motor e de inteligência? E a mãe que pode ter problemas de ruptura uterina em uma próxima gestação?
As pessoas que lhe boicotam por você não ceder ao assédio, geralmente não são tão boas quanto parecem ou você pensa que é. De modo que o que eles ou elas irão lhe boicotar, geralmente não será o mais importante para você que ainda está começando a aprender.
NÃO É PRECISO, NEM ACEITÁVEL QUE VOCÊ SE PROSTITUA PARA APRENDER MEDICINA.