sexta-feira, 4 de março de 2011

9 espero que vocês tenham percebido…

que em “simples” anemia, simples está entre aspas.
Eu disse também na postagem anterior que, na enfermaria de gastroenterologia, haveria pobreza de sinais semiológicos. Isso não quer dizer que vocês não devam examinar o paciente. Muito pelo contrário é uma oportunidade para vocês examinarem um pulmão normal, um coração normal,… Eu não disse para vocês se acostumarem com o normal, pois quando examinarem algo diferente saberão que não está normal?
Talvez vocês não tenham notado, mas eu orientei vocês a visitarem as enfermarias em três dias diferentes. Sabem o por que disto?
Para que vocês não se tornem veículo de infecção. Para que vocês não corram o risco de examinar um paciente com uma doença transmissível e depois saindo desta enfermaria, ir em outra e contaminar outro paciente desta outra enfermaria.
Agora que vocês já sabem da importância de visitar a enfermaria, pode ser que algum de vocês, querendo recuperar o tempo perdido, aproveite a falta de um professor no turno da manhã para ir a enfermaria. Péssima ideia!
Vocês devem evitar de visitar a enfermaria na parte da manhã, pois geralmente é nesta parte do dia que os médicos e residentes fazem os exames nos pacientes internados e depois discutem os casos clínicos da enfermaria.
Assim, se vocês forem visitar a enfermaria na parte da manhã irão atrapalhar e ainda correm o risco de prejudicar seus colegas de turma, pois pode haver algum residente ou médico estressadinho que comece a gritar que não quer acadêmico pegando prontuário, pois misturam os exames, que o exame de raio x de um paciente dele estava no prontuário do outro, etc. De modo que em vez de adiantar o seu lado, você irá atrapalhar o lado de todos os demais. Provavelmente foi isso que aconteceu com aquela colega que reclamou de ter sido proibida de visitar a enfermaria: ela deve ter ido na parte da manhã.
As pessoas no Brasil em geral não dão muito valor a orientação. Mas a orientação é fundamental e evita inúmeras dificuldades e pode até salvar inúmeras vidas.
Onde essas pessoas que não dão valor a orientação olham e veem um criminoso, eu olho e vejo alguém que não foi bem orientado, quando eu olho para aquele acadêmico que hoje está respondendo a um processo criminal por ter atendido aquela menininha cujo pai está sendo acusado de torturá-la.
Eu me lembro do congresso internacional de G-O que aconteceu aqui no Rio em 1988, quando eu estava no internato.
Conversando com um médico, desculpe mas realmente não me recordo mais o seu nome (caso venha a ler esta postagem, me desculpe a falha na memória), eu reclamava que tinha feito uma prova de obstetrícia e tinha tirado dez, só que a nota que me deram foi 6, isso mesmo seis.
Pedi revisão de prova e, vendo a prova, o professor aumentou pra oito. Mas aí eu pedi para ler a prova e mostrei a ele que a resposta da prova estava errada, que eu tinha acertado. E que eu tinha tirado dez.
Pra quê, o homem ficou vermelho e começou a dizer: “eu já te dei oito. O que mais que você quer? Tá reclamando de quê?”
Eu queria o meu dezinho. Eu acertei tudo e na especialidade que eu tinha escolhido seguir queria o meu dezinho.
Mas o ponto que eu quero chegar é que para me consolar, o médico me falou. Liga não, isso não é nada. Imagina que quando eu estava nas férias do primeiro ano de faculdade, uma tia minha me chamou pra fazer um plantão de obstetrícia com ela. No meio da noite, eu fui ao quarto onde ela estava e lhe disse que uma enfermeira tinha dados os pontos na vagina da mulher sem anestesia. (pelo que entendi, ela não havia feito a episiotomia e houve rotura e por isso ela precisou suturar).
Sabe o que minha tia falou pra mim? Por que você não fez o parto?
Aí eu disse pra ele, mas como você poderia fazer o parto. Eu mesmo só tive obstetrícia no ano passado, no quinto ano de medicina. Você não disse que tinha terminado o primeiro ano? Que estava de férias? Você ainda estava no básico do básico.
Pois é meu amigo. Você não faz ideia de como me senti mal. Cheguei até a pensar que seria um péssimo médico. Duvidei até da minha vocação pra medicina.
Uma tia, uma pessoa querida, uma pessoa que eu confiava, falar aquilo pra mim. Só muito mais tarde fui entender que a errada era ela.
E aí ele disse pra mim: “deixa esse chato pra lá. Se até as pessoas que a gente gosta e confia aprontam com a gente. Perde tempo com esse idiota não.”
Eu não me lembro o nome dele, mas sei que ele não era daqui do Rio não.
É por isso que quando olho para aquele acadêmico eu não vejo um criminoso e sim alguém que não teve a orientação correta. Mas as pessoas que o desorientaram agora provavelmente se juntam ao coro dos que o condenam.
Cuidado. Uma boa orientação é fundamental.