domingo, 6 de março de 2011

7 Começando a responder a pergunta que fiz na postagem anterior.

Este blog foi pensado para ser lido em sequência a partir da primeira postagem. Se esta for a primeira vez que você chega a este blog, sugiro que o leia a partir da primeira postagem ou pelo menos que leia a postagem anterior antes de ler esta.

É quase certo que você conhece ou já conheceu alguém que desenha fácil. Eu te pergunto: se ele tem essa habilidade nata para desenhar qualquer coisa, por que ele não é um Picasso, um Miguel L’Angelo,…?
Será que para pintar o teto da Capela Cistina bastava ter habilidade com as mãos?
Existe um livro de um brasileiro que mostra toda a anatomia escondida naquelas pinturas do teto da Capela Cistina?
O que eu quero dizer para você é que para Miguel L’Angelo ser capaz de pintar a Capela Cistina foi necessário diferentes estudos: estudos bíblicos, estudos da filosofia grega, Mitologia, Anatomia em Cadáveres,… e de aprender e exercitar as diferentes técnicas de pintura.
Existem pintores que provavelmente têm uma habilidade manual superior a de Miguel L’Angelo, mas que sequer chegam próximo de sua genialidade. Isto é, não seriam capazes de pintar o teto da Capela.
E por que estou falando disso aqui neste blog?
Por que muitos colegas supervalorizam a prática (a habilidade manual de desenhar, de pintar, de operar) e se esquecem dos diferentes conhecimentos necessários (adquiridos muitas vezes com anos de árduo estudo) para se conseguir fazer a obra de arte.
Uma amiga me contou que procurou atendimento médico com uma dor e fizeram um ECG nela para diagnosticar que ela não tinha infarto.
Esse atendimento é característico daqueles que supervalorizam a prática, mas que se esqueceram (ou desprezam a) de estudar a teoria.
Na semiologia médica você irá aprender que no caso do infarto existem alguns pontos cruciais: localização da dor e características dessa dor; o reflexo dessa dor na face do paciente (como ele a externa); a movimentação desse paciente; a faixa etária; o biotipo (gordo, magro, desportista,…); o sexo.
Analisando esses parâmetros, só olhando e perguntando ao paciente (perceba que eu nem toquei na paciente)  eles já poderiam ter descartado a suspeita de INFARTO na minha amiga.
Em um caso real de infarto, um médico ficou ao lado do paciente aguardando a ambulância, provavelmente apenas verificando os sinais vitais, mas que se tornou um herói para a população. Que atenção. Que bom coração. Todos os médicos deveriam ser assim!
Só que o público em geral não entende de medicina.
A conduta do colega que deve ser mais um destes a supervalorizar a prática em detrimento da teoria, provavelmente contribuiu para a morte do paciente, pois no caso de um infarto, eu li, em pesquisa médica, no meu tempo de faculdade, que quanto mais rápido o paciente chegar ao hospital maiores serão as suas chances de sobreviver.
Assim, no caso em questão a conduta correta era mandar alguém colocar o paciente no carro e correr para o PS, pois se ficar esperando a ambulância são dois tempos o tempo da ambulância chegar mais o tempo da ambulância levar para o hospital.
Mas, para a população que não entende de medicina e para os que supervalorizam a prática e se esquecem da teoria que existe por trás de toda obra (atendimento), ele foi um herói.
A conduta de ficar esperando a ambulância pode ser justificada em casos de suspeita de lesão na coluna, pois a movimentação do paciente pode causar dano irreversível a medula espinhal.
Cada caso é um caso. E é a teoria que lhe dará a conduta mais correta a ser seguida.
Mas você deve estar se perguntando: “se o sistema de saúde não está preparado para me receber, como é que eu vou aprender?”
Você irá aprender visitando as enfermarias do seu próprio hospital escola ou, caso a sua faculdade não possua hospital escola, naquele hospital que funciona como hospital escola para a sua faculdade.
Vamos lá: você agora está no terceiro ano da faculdade e começou a ter aulas de Semiologia (Iniciação ao Exame Clínico).
Assim, você irá escolher no mínimo dois e no máximo três dias da semana para visitar a enfermaria.
Essa visita durará no mínimo 15 minutos e no máximo 30 minutos.
É preciso que você entenda que agora você está no terceiro ano, iniciando o seu aprendizado, de modo que o mais importante no estágio do aprendizado que você se encontra  é exercitar as diferentes técnicas do exame semiológico.
Mais do que conseguir ouvir um sopro cardíaco, palpar um baço,… o mais importante é você aprender a examinar corretamente os diferentes aparelhos.
Mas fique tranquilo(a), você conseguirá ouvir o seu sopro cardíaco, palpar o seu fígado,… pois eu lhe orientarei a fazer uma visita dirigida.
Vamos lá, então:
Você teve a aula semiológica que lhe ensinou a examinar o aparelho respiratório.
Você leu o livro de semiologia e complementou a aula.
Agora você já está apto(a) a fazer a sua visita dirigida a enfermaria de pneumologia.
Visita dirigida? Um professor vai me ensinar?
Infelizmente, isso não será possível, mas você perceberá ao final do quinto ano de medicina que este método lhe ajudou a aprender a estudar e lá você estará apto a ser o seu próprio professor.
Você chega na enfermaria e escolhe no mínimo dois e no máximo três pacientes.
Como você está começando e ainda estará lento, é melhor começar com dois pacientes, pois, pelo meu método,  você só poderá levar no máximo 30 minutos na enfermaria.
Você escolhe um leito, pega o prontuário médico e lê a anamnese e o exame físico (só a parte que você aprendeu, no caso aparelho respiratório) e nada mais.
Nada de ficar querendo ver os exames laboratoriais, os raios X,… isso você fará a partir do quarto ano. Agora você está começando e o que interessa mesmo é aprender a examinar corretamente.
Nada de pegar dois, três prontuários ao mesmo tempo e começar a ficar perdido naquela montoeira de exames e pior misturar os exames dos pacientes, levando os médicos superatarefados a loucura.
Você entra e sai da enfermaria como se lá nunca estivesse ido. O que estava num lugar, continuará no mesmo lugar.
E vá sozinho(a) para não cansar o paciente.
Você olha a data de internação do paciente. Paciente que foi internado no mesmo dia ou no dia anterior na parte da tarde, você não irá examinar, pois o paciente ainda está cansado do batalhão de exames feito nele e também possa ser que o residente ou médico ainda esteja fazendo alguns exames, de modo que pode não gostar de chegar lá e ver você aprendendo a examinar e cansando o paciente.
A partir do terceiro dia de internação, o paciente já estará mais receptivo a você. Você não deve ter parado para pensar, mas deve ser muito chato ficar internado numa enfermaria sem ter nada pra fazer nem com quem conversar. Logo o paciente estará mais receptivo a você e por que não bater um papinho com ele?
Vamos lá: você pegou um prontuário e só um prontuário ( para não correr o risco de misturar um prontuário no outro) leu a anamnese e o exame físico (só a parte que você já aprendeu – não perca tempo, tempo é uma preciosidade).
Ao ler a anamnese você já está estudando como fazer uma anamnese.
No exame físico que você leu estará lá os sinais que o paciente apresenta e a sua localização.
Agora você vai lá no paciente e vai examinar o aparelho respiratório tal qual você viu no livro. Inspeção, palpação, percussão e ausculta.
Chegando no local onde você sabe que tem o sinal, você tenta identicar tal sinal na inspeção (olhando), na palpação, na percussão e na ausculta.
Mas não fique lá um tempão, caso você não consiga identificá-lo, pois o mais importante no estágio que você está é aprender a fazer o exame corretamente.
Se você seguiu os passos tal qual o livro orientou, então já progrediu no seu aprendizado, independentemente de você ter ou não conseguido identificar o sinal.
No começo você não vai conseguir ouvir porque seu ouvido ainda não está treinado, não vai conseguir palpar, não vai conseguir… então não adianta ficar em cima do paciente, cansando-o e irritando-o desnecessariamente.
Chegando no local que você leu no prontuário médico que tem o sinal, atenha-se ali por no máximo trinta segundos e, conseguindo ou não perceber o sinal, siga adiante.
Se você fizer assim, você verá que depois de um mês você já estará discernindo muitos sinais clinícos, embora o seu espírito crítico ainda ache que você não sabe nada. Mas não é verdade. Não acredite na sua crítica pessoal.  Você já terá aprendido bastante.
Fique tranquilo e continue visitando as enfermarias. No mínimo duas e no máximo três vezes na semana e só aqueles trinta minutinhos. Examinando 2 pacientes em cada visita.
Terminou de examinar o primeiro paciente, pegue outro prontuário. Leia a anamnese e o exame físico (no caso só a parte do aparelho respiratório, já que você ainda não teve aula dos outros aparelhos). Depois, vá examinar o aparelho respiratório do paciente. Inspeção, palpação, percussão e ausculta. E no ponto que você sabe que existe um sinal se atenha tentando identificá-lo por não mais que trinta segundos para não irritar o paciente.
Conseguiu identificar ótimo. Não conseguiu identificar, mas seguiu os passos do exame tal qual o livro ensinou, excelente.
O mesmo procedimento você fará quando aprender aparelho cardiovascular.
Vá a enfermaria de cardiologia. Pegue o prontuário. Leia a anamnese e a parte que você já aprendeu do exame fisico (aparelho respiratório e aparelho circulatório).
Em aparelho circulatório veja os sinais existentes e grave ou escreva no caderninho se preferir.
Agora vá ao leito do paciente, chame-o pelo nome e examine o aparelho cardiovascular.
Como você ainda está começando, você ainda é muito lento para examinar. Então na enfermaria de cardiologia, você só vai examinar o coração.
Outro dia, na enfermaria de pneumologia, você só vai examinar o pulmão.
No terceiro mês de prática, você já deve estar com uma velocidade razoável. Assim, em vez de aumentar o número de pacientes para três, você continuará examinando dois pacientes, mas não mais apenas o aparelho da enfermaria em questão.
Se você está na enfermaria de pneumologia, você irá examinar o pulmão e mais o coração, em um paciente. No outro você examina o pulmão e o fígado.
Fazendo isso você aprende a examinar o órgão normal, de modo que sabendo o que é normal, quando você examinar algo diferente, você poderá até não saber o que é, mais saberá que está anormal.
E assim, você vai variando. Na enfermaria de Cardiologia, em um paciente coração e reflexos patelares. Outro coração e ausculta do abdome.
E assim vá variando:
Em um paciente: Pulmão e Membros inferiores.
Em outro: Coração e Membros inferiores.
Pode parecer pouco, mas com o passar do tempo você vai examinando mais rápido e percebendo que ainda falta um tempinho para atingir os trinta minutos, você acrescenta um examezinho e auscusta por exemplo o peristaltismo intestinal normal. Se notar que falta um tempo maior que é suficiente para examinar todo um órgão você pode examinar o baço, ou o fígado, ou os olhos (reflexos pupilares…), etc.
Uma coisa que você precisa saber é que os residentes ou os médicos da enfermaria podem estar estressados com a sobrecarga e os descasos que acontecem na saúde, de modo que podem não gostar de você estar ali e até brigar com você.
Se isto acontecer. Isto é se algum médico ou residente da enfermaria vier brigar com você quando você estiver lendo o prontuário ou examinando o paciente, não crie caso. Peça desculpas e diga por exemplo: “Desculpe, estou vendo que você está atarefado (mesmo que você não esteja vendo nada) e que eu estou atrapalhando. Se quiser eu posso levar algum exame de sangue ou urina para o laboratório. E assim te ajudar.”
Ele ou ela, provavelmente já terá parado de brigar com você. Conte até dez, devagar. Se ele ou ela te entregar algum exame leve e ajude. O mais provável é que ele ficará sem saber o que dizer. Peça desculpas novamente e saia.
Na outra semana, no dia que você escolheu para visitar aquela enfermaria, se dirija a pessoa que brigou com você se apresente: ” Oi, eu sou acadêmico do terceiro ano, eu gostaria  que você me dissesse uma hora que eu pudesse examinar o paciente e que não lhe atrapalhasse. Olha, eu só leio a anamnese e o exame físico no prontuário e depois vou e examino. E leio um de cada vez para não correr o risco de trocar um prontuário com outro.”
É bem provável que não terá mais problemas.
Mas se a pessoa continuar fincando o pé. Chata mesmo ou não foi com a tua cara. Saiba que existem outras formas de driblar.
Primeiro observe o funcionamento da enfermaria.
Quando você for visitar outra enfermaria nos outros dois dias, quando terminar dá uma passadinha na enfermaria do chato(a) e veja se ele está lá.
Assim se você perceber que ele não está lá todos os dias, volte no dia que ele não está. E nada de ficar com raiva e dizer tá bom volto outro dia, pois se você fizer assim, na hora da raiva, quando ele gritou com você. Muito provavelmente ele fará a sua caveira com os outros e você não conseguirá entrar na enfermaria.
Outra possibilidade é que ele ou ela sejam residentes e estejam rodando de enfermaria a cada bimestre. Então basta esperar que ele rode e voltar a frequentar a enfermaria.
A outra opção é o final de semana, sábado e domingo, pois com certeza ele(a) não estará lá todo final de semana. Assim, basta você fazer a visita no final de semana no qual ele(a) não está de plantão.
No meu tempo de acadêmico, a minha faculdade dividia o hospital com outra, de modo que uma colega invocadinha, pra não dizer chatinha, chegou dizendo que foi impedida de visitar outra enfermaria. Que só quem era da outra faculdade podia visitar. Começou aquele bá, bá, bá. Até que antes que o negócio ficasse mais sério eu falei. Ora bolas, diz que você é da outra faculdade. Acabou ali mesmo a tempestade em copo d’água. Tem gente que adora brigar.
Eu cheguei a entrar em enfermaria particular, onde dizia-se ser proibida a entrada de acadêmicos. E ninguém nunca brigou comigo.
Agora desse modo, sem fazer bagunça. O que estava no lugar lá continuou. Por exemplo, se eu pegava uma cadeira para fazer anamnese, quando terminava colocava a cadeira lá onde peguei, na mesa. Não deixava a cadeira abandonada junto ao leito do paciente.
Nunca saí mostrando sapiência para o paciente, dizendo coisas que podiam lhe deixar deprimido.
Você está de branco, o paciente acha que você é uma autoridade no assunto. “Doutor eu posso morrer?” “A incidência estatística é que 50% dos pacientes com o grau de evolução da sua doença morrem. 30% ficam com sequela,…” Se o paciente não morrer da doença, morre em consequência da baixa de imunidade causada pela depressão que sua manifestação de sapiência provocou.
Cuidado com o que você fala. Não fique querendo mostrar sapiencia.
Meu caro e minha cara, a resposta é algo assim: olha eu sou acadêmico do terceiro ano, eu estou aprendendo ainda. Quem atende a senhora? Quer que peça para a enfermeira chamar ele para lhe explicar?
Na próxima postagem, a continuação: o que fazer no quarto e quinto ano de medicina.
OBSERVAÇÃO: Nesse terceiro ano, você já pode tentar fazer um curso básico prático de primeiros socorros que ensine você a fazer uma massagem cardíaca externa,…
E/ou um curso básico prático de enfermagem que ensine a aplicar um injeção, a colocar um soro na veia.