No segundo ano de medicina, um amigo do terceiro ano me chamou para procurar um plantão de pronto socorro. E lá fomos nós, quarta-feira à noite a procura de um plantão.
Fomos em dois grandes prontos socorros, mas não conseguimos.
No sábado seguinte, o amigo continuou insistindo e lá fomos nós de novo só que dessa vez eu me antecipei e disse que eu só queria ficar assistindo os atendimentos para perder o medo. E era mesmo verdade.
Talvez por haver no plantão um médico da nossa faculdade – talvez por ser sábado, dia que ninguém quer – permitiram.
Neste mesmo dia, viramos à noite, felizes da vida, no nosso primeiro plantão.
No primeiro sábado, assisti. No segundo sábado continuei olhando os atendimentos. No terceiro sábado chegou um paciente que tinha uma pálpebra para suturar.
O ou a acadêmico(a) bolsista olhou pra mim e disse: você vai fazer.
Eu? Eu não, eu estou aqui só pra ver os atendimentos.
Vai! Não vou! Vai! Não vou!
Resumindo: do terceiro sábado em diante as suturas eles (acadêmicos bolsistas) mandavam a gente fazer.
Não querendo me alongar mais com essa história, mas como é importante que você saiba o que o espera para poder escolher certo lá vai: posteriormente em um plantão, me mandaram suturar um braço e lá fui eu atrás do material.
Não temos luva.
Mas eu preciso da luva para suturar.
Não temos luva.
Faz sem luva mesmo, disse o bolsista.
Lá estava eu, achando que não devia fazer sem luva, mas seguindo a ordem do bolsista. Enquanto suturava a mão, aquele a quem disse que queria ficar só olhando, chegou, olhou pra mim. Eu dei aquele olhar pedindo ajuda (por favor, diga que isto está errado. Que não posso fazer assim.). Ele, talvez cansado dos inúmeros descasos que viu durante a vida saiu sem nada falar.
E desse dia em diante quando tinha luva não tinha o fio certo. Quando tinha o fio certo não tinha luva.
O que quero passar para você com essa experiência é que o sistema de saúde não está preparado para receber você.
Você precisa de alguém que lhe dê uma orientação correta e pessoas sobrecarregadas de trabalho, que estão mais interessadas em se livrar dessa sobrecarga, não estarão nem aí se você vai fazer certo ou errado. O que lhes importa é que será menos um para elas atenderem.
Será que aquela pessoa que mandou um acadêmico de 2º ano, que nunca sequer havia segurado em uma pinça, fazer um pálpebra se preocupou com a possibilidade de eu errar e perfurar o olho do paciente e até cegá-lo definitivamente?
Se isto acontecesse, muito provavelmente eu teria desistido ali mesmo do curso de medicina. Não teria nem me formado.
A melhor orientação que eu posso lhe dar é que priorize a faculdade. Não ouça os seus colegas que sem a orientação adequada saem virando noites no plantão, prejudicando-se nas provas. Pois quando deveriam estar estudando, estão dormindo para recuperar o corpo da noite não dormida.
A função da faculdade, embora você vá receber o seu diploma de médico, não é mais formar o médico e sim mostrar ao estudante quais as possibilidades que existem dentro da medicina.
De modo que você olhando para trás, para aquelas cadeiras nas quais seu rendimento foi melhor (notas mais altas), lembrando em quais teve mais gosto de estudar (era mais fácil estudar), possa optar pela especialidade a seguir.
Assim, a minha orientação é que só no seu último ano de medicina, você procure um plantão na especialidade que você escolheu fazer. E que no final do ano faça a prova para a residência médica ou pós-graduação nesta especialidade.
Caso você não consiga ingressar de imediato na especialidade desejada, peça para continuar fazendo o seu plantãozinho na mesma equipe que já conhece você.
Por mais que você ache que está aprendendo pouco, que não lhe deixam fazer as coisas na quantidade que você deseja fazer, você deve pedir para permanecer no mesmo plantão, pois eles já conhecem você e a tendência é que confiando mais em você deixem você fazer um pouquinho mais. Já se você mudar de equipe, você irá começar do zero de novo.
E o que fazer no quarto e quinto ano de faculdade?
Resposta: leia a próxima postagem, pois acho o assunto tão importante que vou fazer uma postagem só para ele.
Muitos colegas começam a dar plantão tão cedo que acabam por nem descobrir a especialidade que realmente gostam e poderiam ser excelentes.
Eu mesmo comecei a faculdade querendo ser clínico e no quinto ano em um plantão de obstetrícia vi um colega com os olhinhos brilhando ao atender um caso de clínica médica. Alí eu vi que o que o prazer que ele tinha em atender aquele caso, em falar sobre aquele caso, em ir no laboratório ver os exames daquele caso era o mesmo que eu tinha com o atendimento obstétrico. Naquele momento eu percebi que eu não era clínico.
Muitos colegas perdem noites em plantões de especialidades totalmente diversas daquelas as quais acabam por optar no final do curso médico.
E muitos se perdem, já que direcionam o curso de medicina, para a especialidade do primeiro plantão (achando que faculdade não é importante, que aprendem mesmo é no plantão…) e sequer tem a sorte de descobrir a especialidade que verdadeiramente amam.