quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

18 Muito cuidado com os contadores de vantagem!

Você está começando o seu segundo ano de experiência no seu plantãozinho de obstetrícia, aí chega um colega de faculdade que está no terceiro dia de plantão e fala: “ontem, eu arrebentei. Chegou um DPP na admissão, que se não fosse eu…”

Meu amigo, você tem uma experiência de mais de um ano e provavelmente sequer viu um DPP. Então você acha que um cara no terceiro dia de plantão vai ser capaz de fazer um diagnóstico difícil desse?
Ele só está querendo contar vantagem.
Geralmente, os contadores de vantagem só pegam situações extremas. Como aquele que disse que decidiu fazer obstetrícia, pois foi chamado para uma ocorrência em um local sem recursos, na amazônia, e lá chegando viu uma mulher em trabalho de parto e que o feto estava em transverso. Então ele fez a manobra e virou, fácil, fácil, o feto. Aí o feto nasceu.
Ele só é mais um contador de vantagem e só está mostrando pra você o quanto ele é ignorante em obstetrícia.
Raciocine comigo, se fosse fácil girar um feto, você acha que a indicação obstétrica desses casos seria cesariana?
Um dos riscos dessa manobra não era a rotura uterina?
Meu amigo, você que já tem a sua experiência obstétrica de um ano sabe o quanto é difícil diagnosticar pela palpação uma situação transversa. Então como é que você acha que alguém que não tem sequer experiência de um mês conseguiu fazer a palpação e sentir que o feto estava em transverso.
É mais um contador de vantagem.
Você nunca vai ver um contador de vantagem chegar pra você todo feliz por ter feito o seu primeiro parto normal em uma gestante multípara. É sempre casos raros, improváveis,..
Uma vez, uma contadora de vantagem chegou pra mim, dizendo que tinha chegado um paciente com um problema na vista e que ela teve de usar o colposcópio para retirar o corpo estranho que tinha entrado na parte branca do olho.
CUIDADO! Se você segue uma orientação equivocada desta, pode acabar sendo processado por erro médico.
Vamos lá. Você usa o colposcópio para retirar esse corpo estranho e aí, dias depois esse paciente aparece com uma infecção na vista e com risco de perder a vista.
Você pode ser processado por erro médico, pois você atuou num campo que não era o seu, usou um material que não era próprio para aquele procedimento e que por azar seu podia não ter sido devidamente esterelizado. De modo que você transferiu germes próprios da flora vaginal ou patogênicos e os levou para o olho do paciente que agora corre o risco de perder a visão.
MUITO CUIDADO! Defina bem o seu campo de atuação.
Durante o tempo em que exerci a medicina, eu adotei uma conduta preventiva para olhos e ouvido.
No ouvido eu só atuei quando era um corpo estranho localizado no terço externo do conduto auditivo.
Se um paciente chegava com um corpo estranho no ouvido, eu pedia que ele virasse a cabeça, de modo que o ouvido com o corpo estranho ficasse para baixo, para que a força da gravidade ajudasse a puxar o corpo estranho para fora. Usava a luz para iluminar o conduto auditivo e com uma pinça, muito delicadamente, com muito cuidado, tentava puxar o corpo estranho.
Se eu percebia que em vez de puxar o estava empurrando para dentro, eu encaminhava o paciente para o otorrinolaringologista.
Já na vista, nos olhos, eu só atuei nos seguintes casos:
Paciente chega incomodado com algo que entrou no olho, como um cisco, uma poeira.
Pedia para o paciente abaixar a cabeça e ficar piscando os olhos, caso não resolvesse com esse pequeno procedimento. Pedia que ele com dois dedos da mãos, pinçasse a palpebra do outro olho sem o corpo estranho e ficasse mexendo nela delicadamente, de modo a aumentar o lacrimejamento nos olhos.
Talvez você não saiba, mas esta manobra no olho são aumenta também o lacrimejamento no olho com o cisco, de modo que mais irrigado facilita a saida do cisco, da poeira.
A única manobra médica que utilizava para retirar um corpo estranho do olho era colocar um cotonete em cima da palpebra e com os dedos da outra mão virar a palpebra para ver se via o corpo estranho e o tirava.
O outro procedimento era lavar bem os olhos do paciente nos casos recomendados e depois encaminhá-los ao oftalmologista.
NÃO BRINQUE COM OS OLHOS E OUVIDOS, pois se um paciente perder a visão ou a audição por um erro seu…
Nunca, eu disse nunca, passei qualquer remédio para pingar no ouvido ou na vista do paciente. Sempre adotei uma conduta preventiva: encaminhei o paciente ao médico especialista.
Visão e audição são funções nobres. Não bobeie.
Aquela contadora de vantagem, se realmente usou o colposcópio para retirar o corpo estranho que entrou na parte branca do olho do paciente, só por essa conduta já poderia ter sido processada, pois assumiu um risco desnecessário, com um material cirúrgico não apropriado que poderia transferir uma infecção comum na vagina para o olho.
MUITO CUIDADO COM OS CONTADORES DE VANTAGENS! ELES MENTEM DEMAIS E SÓ MOSTRAM O QUANTO SÃO IGNORANTES NO ASSUNTO.
Um caso engraçado?
Um colega de quinto ano, que já tinha decidido fazer obstetricia, começou a fazer otorrinolaringologista. Aí se entusiasmou e comprou um aparelhinho para examinar o ouvido, o fundo de olho,…
Chegando na república, quis examinar e escolheu para paciente o mais novo da república.
Colocou o aparelhinho no ouvido do calouro e não viu nada. “Está com muita cera!” Pegou um cotonete e foi limpar o ouvido.
Depois pegou o aparelhinho e continuou sem ver nada.
O pobre do calouro passou duas semanas sem ouvir daquele ouvido, tendo que sentar na primeira fileira para conseguir ouvir a aula.
O que aconteceu? Ele empurrou a cera para dentro do conduto auditivo e o calouro ficou surdo. Só foi recuperar a audição, após consultar um otorrino que rindo do seu medo de ter perdido a audição, fez uma lavagem e milagrosamente recuperou a audição do calouro.
CUIDADO COM OS CONTADORES DE VANTAGENS!