Resposta: para você se preparar para a sua residência médica ou pós-graduação.
E por que você precisa se preparar para a sua residência se a residência médica e a pós-graduação deveriam ter a função de lhe ensinar?
Por três motivos:
1 – tempo escasso
2 – falta de uma didática de ensino adequada (desamparo)
3 – caos da saúde
Comecemos por dizer que a inexistência de uma didática adequada de ensino potencializa a escassez de tempo.
Tempo escasso: exemplificando com a obstetrícia.
O meio médico ainda não entendeu que a obstetrícia é uma especialidade diferente da ginecologia e que a esterelidade pertence a especialidade obstetrícia.
Assim, como a residência dura dois anos, este período tem de ser dividido por dois: um ano para obstetrícia e um ano para a ginecologia.
Só para você ter uma ideia, para se formar um bom obstetra seriam necessários no mínimo três anos, pois a obstetrícia exige uma boa base de clínica médica, de cirurgia geral abdominal, ambulatório de pré-natal, ambulatório de gestante de alto risco, cirurgia obstétrica,… (obs.: se você seguiu as dicas desse blog, você já tem uma boa base de clínica médica)
Só que só tem um ano de obstetrícia e se você entrar na residência sem prática nenhuma em obstetrícia, você levará um ano aprendendo a fazer parto normal, acompanhar o pré-parto, aprendendo os nomes dos instrumentos cirúrgicos, auxiliando cesariana para ver os tempos cirúrgicos, pegando traquejo (habilidade) manual,… quando você for fazer a sua primeira cesariana já será no final do ano. De modo que você não conseguirá aprender a operar.
A falta de uma didática de ensino adequada chega ao desamparo.
Você vai para a residência achando que vão lhe ensinar e eles acham que você já deveria saber fazer.
E muitas vezes passam a impressão que querem que você assuma o serviço completamente.
Só que você não foi para a residência para fazer o trabalho deles, você foi para lá porque você queria que lhe ensinassem os procedimentos de sua especialidade.
Uma vez, quando ainda acadêmico, tive uma dúvida ao examinar uma gestante na admissão. Fui então ao médico responsável e pedi que ele fosse examinar a gestante. Sabe o que ele fez?
Pegou o carimbo dele e me deu? Você foi examinar a gestante? Nem ele. Eu não usei o carimbo dele, embora ele provavelmente tenha pensado que eu o usei.
Na cabeça dele, ele estava me fazendo uma grande homenagem. É como se ele dissesse: eu confio em você, você é um bom obstetra.
Completo desamparo.
Às vezes, eu olho pra trás e me pergunto: será que eles queriam que eu matasse alguém? Tal era o desamparo.
Resumindo: você vai pra residência para praticar, não vai para aprender. Eu não estou dizendo que concordo com isso, eu estou falando do que eu vivênciei.
O caos na saúde é outro problema que atrapalhará e muito o seu aprendizado, pois algumas vezes a pessoa que você pensa que está no plantão não é a que realmente deveria estar lá. Não entendeu? Eu explico:
Lembre-se do Eneas que falou que alguém o substituía no hospital (recebendo o salário do Eneas, sem ser concursado) para que ele desse seus cursos de ECG e não perdesse o direito a aposentadoria.
Colegas faltam ao plantão e pedem para que alguém os substitua. E este alguém chega lá carimbando com o carimbo do colega. Não era isso que quem substituiu o Eneas fazia?
Então, você está lá na sua residência e diagnostica um feto morto. Sai radiante por ter feito um diagnóstico brilhante. Fala para o plantonista e ele manda colocar na mesa para operar.
Só que não se opera feto morto. Então se você não tiver feito o seu estágio no sexto ano e estudado a teoria obstétrica se preparando para a residência, o que você fará?
Confiará no plantonista que no seu entender está lá para lhe ensinar. Só que: lembre-se do caos da saúde.
Você não está errado em confiar, o sistema de saúde é que está errado em não lhe oferecer as condições adequadas de aprendizado e de ainda exigir que você faça o trabalho que ainda não deveria ser da sua responsabilidade fazer, pois você ainda está aprendendo.
Espero ter conseguido fazer você entender o porquê de ser tão importante para você fazer um estágio na especialidade que você escolheu, preparando-se assim para a residência médica.
