sábado, 5 de fevereiro de 2011

Finalmente, a resposta à questão: Capitu traiu ou não Bentinho?

Capitu traiu ou não traiu?

Bentinho não consegue apresentar nenhuma prova concreta da traição de Capitu. O máximo que ele conseguiu foi levantar uma leve suspeita que seria facilmente rebatida por qualquer advogado de qualidade mediana . Mas, como diziam os antigos, depois de jogar ao vento todas as penas do travesseiro colhê-las não é mais possível. Sempre haverá alguém que duvide.
Várias vezes, no livro, Machado descreve o ciúme incontrolável e sem fundamento de Bentinho o que depõe contra este, mas que não é suficiente para descartar a possibilidade da traição. Machado faz questão de destacar Otelo, outro ponto a favor de Capitu e contra Bentinho – o Otelo tupiniquim.
No capítulo XL Bentinho se entrega ao dizer: “a imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta,… creio ter lido em Tácito que as éguas iberas concebiam pelo vento… a minha imaginação era uma grande égua ibera”
A prova da imaginação fértil de Bentinho e de sua confusão mental, misturando fantasia com realidade sem conseguir diferenciar uma da outra, nos é revelada no capítulo C “Tu serás feliz Bentinho”, quando José Dias pergunta: “e por que não seria feliz?”
_ Você ouviu?
_  Ouviu o quê?
_ Ouviu uma voz que dizia que eu serei feliz?
_ É boa! Você mesmo é que está dizendo…
É boa! Você mesmo é que está dizendo, disse José Dias. Mas Bentinho quer que acreditemos que foi uma fada que lhe disse. “Uma fada invisível desceu ali, e me disse em voz igualmente macia e cálida: “Tu serás feliz, Bentinho; tu vai ser feliz”.
Fica difícil saber se o que o Bentinho vê é o mesmo que a Capitu vê.
É a própria Capitu que cita pela primeira vez a semelhança do olhar de Ezequiel com os de Escobar e de outro conhecido de seu pai. Por que Capitu, sabendo do ciúme desconfortável de Bentinho, iria por lenha na fogueira contra si própria, caso fosse ela culpada?
Lembremos que Ezequiel vivia a imitar os trejeitos de todos e que o próprio Bentinho lembra-se que fazia o mesmo na sua infância.
A proposta de Escobar de casar sua filha com Ezequiel , aceita imediatamente por Bentinho e posta em prática pelas duas famílias, deixa claro que Ezequiel não pode ser filho de Escobar.
A semelhança entre a Capitu e a mãe de Sancha citada  pelo pai de Sancha a Bentinho e relembrada por este, com mais destaque, no final do livro me parece ser mais um ponto favorável a Capitu.
Se Machado tivesse dirigido um filme e escolhido, a dedo, os atores que interpretariam Escobar e Ezequiel tenho certeza que essa polêmica não existiria.
No filme,também poderia ser mostrado com mais clareza a diferença do olhar de Bentinho para o olhar dos outros personagens – fantasia e realidade. Bentinho está vendo a mesma semelhança que a Capitu está vendo?
Se lermos o livro com mais atenção notaremos que Machado dá várias pistas: o episódio do Barbeiro tocando sua rabeca é uma delas.
Numa noite de domingo – dia de descanso – Bentinho ouve o barbeiro tocar e se aproxima da barbearia. O barbeiro, amante da música, nota que sua arte está sendo notada e, provavelmente, sente-se (orgulhoso) feliz e toca com mais vontade, mas Bentinho acha que o barbeiro está tocando para ele, Bentinho, acreditando inclusive que o barbeiro deixou de atender dois clientes (lembrem-se que é dia de domingo  e de noite) apenas para continuar a tocar para ele, Bentinho _ pessoas, que, provavelmente, passaram pela barbearia e quiseram dar uma espiada, ouvir um pouco, como ficará demonstrado no fim da narração: várias pessoas chegaram na barbearia e ficaram ouvindo o barbeiro tocar. Mas Bentinho acredita que o barbeiro tocava só para ele.
Perceberemos, em vários pontos do livro, que o discernimento de Bentinho está prejudicado:
Bentinho não acha nada de mais que Escobar peça todos os recibos dos aluguéis das casas que sua mãe possuía para provar o quanto é bom com os números. Tanto não acha que os leva, permite o cálculo e ainda louva a capacidade de Escobar.
Bentinho propõe a Capitu a ideia de falar com o Imperador para dissuadir sua mãe do projeto de torná-lo padre. Lembre-se que ele já está com 15 anos, mas acredita que conseguirá ter uma audiência com o imperador e que este ainda irá a sua casa falar com sua mãe.
Com 17 anos considera a proposta de José Dias para ir a Roma pedir ao Papa para liberar sua mãe da promessa de torná-lo padre e ainda a expõe a Capitu e a Escobar.
Como não lembrar do presente de despedida – um cachinho dos próprios cabelos – que iria dar a Capitu e que acaba entregando para o pai de Capitu, quando este lhe pede que lhe deixe uma lembrança, algo de seu uso.
Talvez você esteja pensando: os tempos eram outros, não havia televisão, Bentinho foi superprotegido pela mãe, afastado dos outros meninos, criado para ser padre, era ingênuo. Porém, você está se esquecendo de algo importantíssimo: quem está escrevendo o livro não é mais o Bentinho, é o Dom Casmurro – um homem maduro e já separado da Capitu – e em nenhum momento do livro ele menciona (faz uma critica) a própria ingenuidade.

O episódio do barbeiro já não poderia ser considerado um delírio?

A morte de Escobar parece produzir um enorme vazio na vida de Bentinho.
Como não pode ressuscitar o amigo, ele o faz renascer em seu filho, Ezequiel, que deixa de ser Ezequiel e passa a ser Escobar. Paradoxalmente, o remédio ao invés de aliviar a dor gera mais e mais dor.
A primeira vez que li o livro fiquei impressionado com o estado social da mulher. Uma mulher sem voz. Impossibilitada de se defender. Aprisionada. Sendo obrigada a se afastar de tudo e de todos por uma simples suspeita. Não me pareceu importante a questão: Capitu traiu ou não traiu? O que me veio a mente foi aquele rei, Henrique VIII. E pensei que o livro fosse uma tentativa do Machado criticar tal situação.
Fiquei surpreso ao saber que a questão da traição era uma polêmica e que os que liam o livro ficavam tentando decifrá-la. Com a segunda leitura fiz esta análise, espero que tenham gostado.